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O Uso de Dados Abertos No Combate à Exploração Ilegal de Madeira No Brasil

Renato Morgado, Transparência Internacional - Brasil, explora neste artigo como a sociedade civil tem utilizados dados abertos para combater a ilegalidade e promover a sustentabilidade no setor florestal madeireiro e como o aumento da abertura de dados e a colaboração podem potencializar esse esforço.

Renato Morgado, 29 July 2020

Como parte dos esforços para combater a ilegalidade na exploração de madeira nativa no Brasil, organizações da sociedade civil têm atuado para aumentar a transparência e o uso de dados abertos - dados que podem ser livremente utilizados, modificados e compartilhados para qualquer finalidade.

Um conjunto de iniciativas foi criado e utiliza os dados disponíveis na produção de novas análises, soluções e ferramentas para enfrentar esse desafio, com um grande potencial, inclusive, de reforçar sistemas públicos e privados de monitoramento e controle.

Quais dados mais importam e qual o seu grau de abertura?

Existem três tipos de dados principais para o monitoramento do setor florestal madeireiro:

(1) Autorizações de exploração florestal, que contêm a área, as espécies e os volumes autorizados para a exploração, bem como a identificação dos proprietários dessas áreas e dos responsáveis técnicos pelo manejo florestal;

(2) Dados de transporte e comercialização de madeira, que possuem a origem e o destino da madeira em cada elo da cadeia, bem como o volume, as espécies e os valores comercializados; e

(3) Dados fundiários, que incluem a localização das unidades de conservação, terras indígenas e propriedades privadas.

Um passo importante para a disponibilização de dados é a sua existência em formato digital. Nos últimos anos, o governo federal e governos estaduais têm criado sistemas digitais de licenciamento e controle da exploração florestal madeireira. O lançamento, em 2018, do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (SINAFLOR) foi, por exemplo, um importante avanço nessa direção. Órgãos federais, 24 estados e o Distrito Federal adotaram o SINAFLOR, quer seja diretamente quer integrando a sistemas próprios previamente existentes.

Outro aspecto fundamental é a existência de um ambiente legal e institucional favorável à abertura de dados. Alguns marcos nesse sentido merecem ser destacados, tais como: a Lei de Acesso à Informação Ambiental, de 2003, que determina que licenças e outras informações ambientais devam ser divulgadas de forma proativa; o novo Código Florestal, aprovado em 2012, que prevê a disponibilização ao público das informações do setor florestal; a Lei de Acesso à informação, de 2011, que determina que a transparência deva ser a regra e o sigilo, a exceção; e a Política de Dados Abertos do Executivo federal, criada em 2016, que determina a elaboração de planos de dados abertos por todos os órgãos públicos federais.

Apesar desses avanços, as bases de dados florestais ainda estão apenas parcialmente abertas no Brasil.

As autorizações de exploração florestal e o Documento de Origem Florestal (DOF), que contém informações de transporte e comercialização de madeira, estão disponíveis por meio do SINAFLOR, mas o sistema não disponibiliza os dados geoespaciais e dados atualizados em tempo real.

Além disso, os dois estados que não utilizam o SINAFLOR são os maiores produtores de madeira nativa: Pará e Mato Grosso. No Pará, os dados de transporte e comercialização não são disponibilizados e as autorizações de exploração são divulgadas somente em formato PDF. No Mato Grosso, apesar de avanços recentes, os dados de transporte e comercialização não estão completos e em formato aberto.

Por fim, os dados de todos os sistemas (SINAFLOR, Pará e Mato Grosso) não possuem um mesmo padrão, o que exige um esforço grande de limpeza e padronização para que possam ser integrados e processados.

Em síntese, existem diversas limitações, incluindo a disponibilização descontínua e incompleta das bases de dados, a existência de dados em formatos não legíveis por máquinas e a falta de integração entre diferentes sistemas. Tudo isso impede o acesso a totalidade de dados existentes, além de exigir recursos e tempo adicionais para o acesso e o processamento daqueles que estão disponíveis.

Iniciativas promissoras

Apesar dessas limitações, a abertura de dados tem possibilitado a criação de iniciativas relevantes e promissoras por parte de organizações da sociedade civil.

O Imazon desenvolveu o Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (SIMEX), que, por meio do cruzamento e análise de imagens de satélite com as bases de dados de autorização de exploração florestal, identifica as áreas públicas e privadas que foram exploradas e diferencia as áreas de exploração legal e ilegal. O Imazon atualmente realiza essas análises para o estado do Pará. Segundo o seu último relatório (2017/18), 70% da exploração de madeira no estado nesse período foi ilegal, sendo que 62% da ilegalidade concentrou-se em apenas cinco municípios.

O ICV utiliza o SIMEX para realizar análises semelhantes no estado do Mato Grosso. Em seu último relatório (2016/17) a organização constatou que 39% da exploração de madeira ocorreu de forma ilegal e que 67% dessa ilegalidade concentrou-se em propriedades privadas. Além disso, de toda a exploração ilegal em unidades de conservação, mais da metade (57%) concentrou-se em apenas um Parque Estadual.

Em 2017, o Imaflora lançou a plataforma TimberFlow, que utiliza os dados de transporte, processamento e comercialização de madeira para gerar mapas, visualizações e análises sobre a dinâmica do setor florestal madeireiro. A plataforma processa aproximadamente 30 milhões de linhas de dados, permitindo identificar o fluxo de compra e venda entre os municípios brasileiros, quais espécies e produtos são mais comercializados, bem como gerar diversas outras informações e análises sobre a cadeia da madeira no país.

Já a BVRio desenvolveu um sistema de Due Diligence que permite a um comprador saber o grau de risco de ilegalidade de determinado lote de madeira. Ao cruzar dados de autorização de exploração e transporte de madeira, com imagens de satélite e dados relacionados a infrações ambientais, embargos, dentre outros, o sistema gera um nível de risco para cada lote de madeira analisado.

Recomendações para potencializar o uso de dados abertos

Essas iniciativas demonstram como os dados abertos têm permitido à sociedade monitorar e criar, de forma mais efetiva, soluções para o setor florestal madeireiro – o que potencialmente pode beneficiar o setor privado e os órgãos de fiscalização. Mas muito ainda pode ser feito. O que é necessário para aumentar o potencial do uso de dados no combate a ilegalidades e na promoção da exploração legal e sustentável? A seguir, apresento as três principais recomendações nessa direção:

  1. Informação não é suficiente, é preciso utilizá-la. É importante que governos e empresas utilizem as informações e ferramentas desenvolvidas pela sociedade a partir de dados abertos, de forma mais intensa e rotineira. Isso nem sempre acontece, seja por restrição de recursos humanos e financeiros seja pela falta de vontade política dos tomadores de decisão em enfrentar a ilegalidade no setor. Uma pressão simultânea de consumidores, cidadãos e organizações da sociedade civil pode ajudar a mudar essa situaçã.
  2. Com mais e melhores dados, muito mais poder ser feito. Governos precisam implementar políticas e práticas robustas de transparência e de abertura de dados, garantindo o acesso adequado e integral das bases de dados relacionadas à exploração de madeira. Diferentes sistemas de licenciamento e controle da exploração, comércio e transporte precisam estar integrados e os órgãos que gerenciam tais bases de dados precisam ser fortalecidos.
  3. Existe muito espaço para colaboração. As iniciativas apresentadas neste artigo possuem abordagens próximas e complementares. Elas também compartilham desafios comuns no acesso, padronização, processamento, análise e visualização de grandes quantidades de dados. Uma maior troca de experiência e integração entre as iniciativas e as organizações podem reduzir custos e gerar novas análises e aplicações dos dados florestais.

Com mais uso, abertura e colaboração, os dados abertos terão um impacto crescente na conservação das florestas, na economia e na vida das comunidades locais.

*Agradeço a Ana Paula Valdiones (ICV), Marco Lentini (Imaflora), Bruno Maier (BVRio), Danton Cardoso (Imazon) e Juliana Gil pelas valiosas conversas que contribuíram para a elaboração deste artigo.

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